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DE VOLTA AO SÍTIO – I SAUDADE

De volta ao Sítio

Por Décio Diniz 

 

Em lembrança de Monteiro Lobato, que disse certa vez: "Ainda acabo fazendo livros onde nossas crianças possam morar".

"Esqueceste muito… e, no entanto, enquanto lês estas linhas, lembrar-te-ás vagamente das visões de outros tempos e lugares que divisavam teus olhos infantis" (Jack London).

I – Saudade

Naquele dia dona Benta havia recebido muita correspondência. Carta da filha Tonica, querendo saber de Pedrinho; um cartão-postal de Londres, mandado por uma das meninas que havia visitado o sítio para conhecer o anjinho que Emília trouxe da Via Láctea; além dos livros encomendados e revistas científicas para o Visconde, que agora lia em inglês e alemão. Em meio a tudo aquilo, uma carta de uma pessoa desconhecida. "Quem será?", pensou a boa senhora, "carta de São Paulo!"

Dona Benta abriu o envelope e começou a ler: "Querida dona Benta, há muito queria lhe escrever. A todos vocês! Não me conhecem, mas sinto muita saudade de todos. Em meus sonhos, passei minha infância com vocês, nesse lugar maravilhoso onde moram. Sabe o que é sentir saudade dum lugar onde nunca se esteve? Pois bem, não sou mais criança. Mas a saudade tem apertado e, de repente, o desejo de estar 'novamente' aí. Gostaria muito de sua permissão para fazer-lhes uma visita. Pedrinho, Narizinho e Emília não vão se entusiasmar com a visita de um adulto, mas, chegando aí dá-se um jeito. Mas, ainda há um probleminha. Não sei como chegar! A senhora sabe, adultos se perdem um pouco nestas coisas da imaginação. Será que a Emília pode me ajudar? Aguardo resposta. Com carinho, …"

– Então teremos visita. Preciso avisar essa turminha.

Dona Benta levantou-se e foi até a varanda procurar pelas crianças.

– Narizinho! Pedrinho! Emília! Por onde será que anda esse pessoalzinho?

Nada das crianças aparecerem. Nem Emília, nem Visconde. Deviam estar no ribeirão, ou então de conversa com tio Barnabé.

– Nastácia, você sabe onde foram as crianças?

Tia Nastácia estava na cozinha, preparando o jantar. Já havia dado uma corrida no Rabicó que aparecera por ali procurando um lanchinho.

– Sei não, sinhá. Emília esteve por aqui me pedindo uma garrafa, mas não disse pra onde ia.

– Garrafa? Estão caçando saci outra vez?

– Não, sinhá. Ela disse que era pra guardá um tar de… de… sei lá, esqueci!

Dona Benta balançou a cabeça, rindo.

– Recebi uma carta, Nastácia. Duma pessoa de São Paulo, querendo nos visitar.

– Que pessoa, sinhá? Argum conhecido do Visconde?

– Não. Um garoto que não conhecemos, mas que diz ter passado sua infância aqui, com meus netos.

– Que istória é essa, sinhá? Como a gente num conhece se ele já veio aqui? Será que é o tar de Peter Pan?

– Não, Nastácia – riu dona Benta – na verdade é um garoto que já cresceu. Diz aqui na carta que já é adulto e sente muita saudade daqui. Mas não sabe como vir para cá. Pediu ajuda da Emília.

Tia Nastácia fez cara de quem não entendeu nada e mostrou à dona Benta o peixe que tirava do forno.

– Óia, sinhá. Uma delícia esse peixão que o tio Barnabé trouxe!

– É de dar água na boca, Nastácia. Daqui a pouco as crianças chegam morrendo de fome.

Mal dona Benta terminou de falar, escutou o barulho das crianças entrando pela sala.

– Vovó, vovó! Veja o que a Emília inventou!

Continua…